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Sombras no Porão

  Uma xícara de café Mesa recheada Lugares vazios, escuridão Lâmpada apagada Dou ordens e não sou atendido Falo e não sou escutado Onde estão os empregados? Passo o tempo lendo notícias velhas Páginas de um livro repetido Sou o vilão de uma novela Um clássico esquecido Gosto de par Mas nasci ímpar Minha melhor companhia O silêncio, o fim do dia Eles não sabem o que estão perdendo Enquanto isso vou vivendo Vou morrendo Eu nasci ímpar Mas gosto de par Um brinde em copo de plástico Para quem está desacompanhado Tristeza nos olhos De quem ficou sozinho no retrato

Espelho

  Amei, Simplesmente amei Outono, inverno Outras estações Chorei, Muitas vezes chorei Noite, dia Flor da pele, emoções Fiz declarações Para portas e paredes Gente estranha, com fome Com sede Flores para os melhores endereços Os piores recintos Mas deu minha hora Vou embora Vou gostar de quem gosta de mim Lá no espelho Alguém que tanto amo Que nunca desejei mal Percorri caminhos perigosos Hoje sei o tamanho do risco Ultrapassei a linha de chegada Mas não parei de correr Agora só depois das seis

Coração de Madrasta

  O vento que leva É o mesmo que traz Amor que não termina Que ninguém ensina Basta um simples olhar E todo dia é dia Todo dia uma conquista É preciso conquistar Cordão umbilical Unindo corações De mansinho, de leve Chegando com calma Mãe de alma Um bom abraço Solte os seus braços E seja feliz Madrasta Ma-dras-ta De má não tem nada Anjo bom, anjo sem asas Confidente, amiga Papo bom, boas palavras O vento que leva É o mesmo que traz O melhor dos mundos Na bagunça boa de um lar Barulho também é paz

Vidas Secas

  O sol está castigando Pai bebendo, mãe chorando Cada filho em um canto O mais velho na igreja O do meio no farol O mais novo ajudando Todo dia tem dinheiro Ninguém nasceu sabendo Aprendeu roubando Que falta faz uma filha Mamãe bem que queria Papai abusaria Que falta faz uma vida O remédio está escondido Lá no alto, longe do alcance Mas perto do pensamento Caminho para ser feliz Está muito calor, muito Sem ar, sem vento Faca com sangue Frango descongelado na pia Era mais uma tarde quente Mais um dia Escureceu cedo, tão cedo Quem matou? Quem morreu? Mistério que ninguém resolveu Ninguém é mais criança Não existe esperança

Rock

  Nossa história de amor Virou canção Uma banda de rock Bem louco, pegando fogo Nossa história triste Em muitas palavras Frases cantadas Vozes da plateia Drogados e drogadas Ameaça virou poesia Lágrimas e alegrias Música proibida Sobre nossas noites Sobre nossos dias Ninguém precisa saber O que eu faço com você Ninguém vai entender Letra cheia de mistério Cada sílaba, cada verbo Segredo disfarçado Camuflado em cada estrofe Igual aquela do Renato Aquela dos vinte e nove

Urna Funerária

  Você é o alvo Está no alvo Fogo cruzado Na mosca Você é a mosca Na mira do canhão Boca na urna Pedaço de nação Charutos e poderosos Fumaça de arrogância Pés para alto, risadas Gargalhadas Alguma coisa bem errada O prazer de nascer E morrer por nada Briga por causa de piada Não caia no papo Do voto certo, do errado Não entregue sua alma Não seja um coitado Não venda sua alma ao Diabo Perfume de desgraça Noite que não passa Propaganda gratuita Só não é de graça Quem é o seu bandido de estimação?

O Beijo

  Bombas explodindo No céu, no chão Fumaça atrapalhando a visão Gritos, som dos aflitos Guerra, nuvem de poeira Gente sem saída Corredores, armadilhas Anjos e demônios Sentados em muros, muralhas Braços atravessando grades Armas de fogo, brancas Pai, mãe, Santas Só o amor pode salvar O mundo acabando A gente se beijando Só o amor vai salvar Rebelião, confusão Silêncio para beijar Vamos voar Sem sair do chão Pedras em nossa direção Bombas explodindo No céu, no chão

Sem Tempo

  Um bilhete sem resposta Um telefonema sem volta É tarde, você foi embora Mensagens que apaguei Palavras que imaginei Não deu tempo, não deu O que ficou agora Simplesmente saudade Vi sol nascer, morrer Vi chuva molhar, alagar Lua linda brilhar Não vi o relógio girar Quando olhei já era amanhã Que falta você faz Amanhã é nunca mais O mundo e suas voltas Agenda com páginas vazias Nenhuma hora livre Será que isso é vida? Tudo acaba na velocidade De uma bala perdida É tanta pressa Gente correndo Parado também é movimento Olhar nos olhos Um pouco de silêncio Vamos guardar o momento

Faca

  Seu amor é faca Cravada em meu peito Navalha rabiscando meus braços Seu amor é veneno Branco igual leite, inocente Que engana crianças e animais Você é planta carnívora Devora minha vida Mastiga e cospe minha paz Amor de mãe, de pai De cachorro, de casais Amor de qualquer jeito De todo o jeito, de tanto faz Amor em uma nave, astronave Em segredo, ao vivo Na casa, na sala Na televisão de um bom vizinho Eu não queria, mas aceito Amor é bom, mas causa medo Nem todo mundo entende E quem entende grita Para os quatro cantos, avisa Apresenta toda sua alegria Morrer um pouco por dia Sua boca, sua língua Transfusão de saliva

Pensando

  O pensador morreu De tanto pensar Pensando em uma saída Não encontrou e acabou Terminou com sua própria vida O pensador imaginou Viver mais uns cem anos O universo foi contra Não deixou, não Mergulhou, afundou Não saiu de uma onda O pensador rabiscou Suas últimas palavras No asfalto de uma rua vazia Cansou de ser árvore Foi vítima da pandemia Dos ignorantes inteligentes Dos saudáveis doentes De uma gente sem alegria Pensar ainda é necessário Pensar é sobreviver

1978

O cachorro está latindo Os meninos estão correndo Pombos no quintal Violência gratuita Sempre tão natural Tem futebol na televisão Bandeira e cerveja Grito calado da nação O trenzinho está sem pilha Papai bateu em sua filhinha Mamãe diz que não errou Meu Deus que alegria Hoje chega o vovô Todos têm medo Do louco da rua Mas os loucos são outros Disfarçados, bons moços Revistas rasgadas, cartas Preciso usar óculos Para enxergar o perigo Para encontrar um novo amigo Eu nasci em mil novecentos e setenta e oito Eu nasci em mil novecentos e setenta e poucos  

Reis

  Reis e Rainhas Guerras frias Noites quentes Mentes vazias Mãos para cima Choro do pai Mãe, filho Fim da família Discurso Palavras bonitas Feias mentiras Flores, revólveres Erros e acertos Coragem e medo Bombas, fumaça Céu sem azul Cinza é dor Toda dor Medalha, placa Foto na lápide Sonho que acabou Uma música Canção de amor Despedida Em paz, sem vida Deus não tem culpa